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domingo, 13 de janeiro de 2013

Fénix Memória

  


DE CAMPEÃO A VERDUGO DA AUTONOMIA




Paira nos ares da tabanca uma justificada revolta: os mandantes de Lisboa decidiram subsidiar as viagens das equipas que se deslocam às regiões ditas autónomas (ditas, pois) no âmbito dos campeonatos nacionais. Para os clubes madeirenses que viajam ao Continente em idênticos moldes, nada.
Parte-se do pressuposto de que o governo nacional deve cobrir as despesas das equipas continentais e os regionais as dos clubes insulares.
Não concordamos com este entendimento dos crânios Passos Coelho e Victor Gaspar. Se estamos a falar de campeonatos nacionais, então os participantes detêm todos o mesmo estatuto.
Grave, muito grave é o retrocesso da já frágil Autonomia que medidas como esta vão paulatinamente institucionalizando.



Para entrar nos nacionais, o Marítimo teve de pagar viagens aos adversários e árbitros. Parece que o tempo quer voltar para trás. 





Noutros tempos, Lisboa portou-se bem pior, calcule-se. Nos inícios dos anos 70, a Madeira sofreu a incrível humilhação, o enxovalho, o espezinhamento de se submeter a condições que não lembravam ao diabo. Para integrar as provas nacionais, o Marítimo, primeiro candidato a dar o salto dos regionais para mais altos voos, teria de pagar, além das suas deslocações ao Continente, as viagens dos adversários que vinham do rectângulo actuar nos Barreiros! E cobrir igualmente todas as despesas das equipas de arbitragem que vinham dirigir os jogos ao Funchal.
Calculamos que a juventude se desmanche a rir ao ler esta peça, mas não se trata de um texto humorístico. 

O Nacional seguiu o Marítimo no salto dos regionais para fora.


Isto aconteceu mesmo e há uma adenda pior, em matéria de humilhação. Como os madeirenses não eram de confiança - achavam eles na Federação Portuguesa e nos corredores governamentais do desporto nacional - foi exigido ao Marítimo um depósito bancário de 800 contos, para o caso de falhar os pagamentos.
Tão difícil como engolir a provocação foi reunir aquela verba exigida pelo centralismo, à época uma pequena fortuna.



Estávamos em 1973 e o Marítimo lá conseguiu abrir caminho para o desporto nacional. Custou dinheiro e muita raiva contida, mas Lisboa obrigou-se a recordar que na Madeira drapejava também a bandeira de Portugal. A dignidade e o orgulho insular vingavam um pouco aquele desprezo a que gerações de madeirenses haviam sido votadas havia séculos.



Com a Revolução dos Capitães, em Abril de 1974, a Autonomia encontrou condições para se transfigurar - de administrativa para política. Uma vitória que as circunstâncias fizeram cair de bandeja na política madeirense.

Poderosa equipa do União que ganhou 7 títulos consecutivos de campeão da Madeira nos anos 50/60. Foi o terceiro clube a competir nos nacionais e ainda lá está.


O ensejo não foi desperdiçado. Manda a verdade admitir que o sua excelência que ainda hoje vegeta nas Angústias tomou parte na batalha dos anos 70 e 80 pela conquista da igualdade entre os portugueses de lá e os de cá. Dadas as lutas em que se envolveu, brandindo a bandeira do ideal autonomista, ganhou admiração de grande parte dos conterrâneos. E, sempre que via um microfone e uma câmara pela frente, o homem refulgia como o campeão da Autonomia que foi, até certa altura. Os madeirenses perderam a vergonha de mostrar a sua particularíssima pronúncia mesmo em compita com o'falar à política' dos continentais. O gozo dos tempos de tropa com os 'bananas' e os 'semilhas' passou à História.
As oposições hesitaram na adesão à luta autonómica, para se demarcarem da brejeira vedeta social-democrata emergente, e quando quiseram recuperar terreno era tarde.
Nesse capítulo, era difícil combater o chefe laranja, como reconhecem os líderes oposicionistas da altura nas entrevistas que concedem. Quem quisesse então actuar com lisura obrigava-se a realçar, entre os ataques à política de tiranete que ele já ensaiava, o seu papel em matéria autonomista.
O fervor autonomista que ele exibia não disfarçava, porém, a tentação de mandar e mandar e mandar, sem oposição, perseguindo adversários como se fossem estranhos na sua própria terra. Para isso, floreava as maiorias absolutas que lhe proporcionava consecutivamente o povo, entusiasmado com novos caminhos, luz, água, festas e subsídios.

O problema estava para vir. Com o desenvolvimento da obsessão pelo poder, sua excelência transformou gradualmente a autonomia da Madeira em autonomia do Jardim. O povo sufragava o seu projecto nas urnas, então ele podia agir livremente, acima de todos os cânones. Se ele conseguia regionalizações e dinheiro para a Madeira, então era inimputável e indiscutível.
Numa palavra: autonomia da Madeira só existia se estivesse ao serviço dos propósitos do chefe. Estava encontrada uma vaca sagrada do regime. Criticar Jardim era sabotar a Madeira.

Se é admissível algum mérito autonómico do chefe naquele tempo, quando se julgava que ele estava prestes a voltar à Ilma e ao JM, mais indiscutível é que o ditador das dúzias acabou por destruir os ideais dos madeirenses, em nome das suas ânsias individuais. A ponto de estarmos hoje com menos autonomia do que antes do 25 de Abril.
A Junta Geral da era salazarenta recebia escassas verbas do erário que a Madeira engordava em sacos substanciais. Mas não andava à esmola. Hoje, as mini-tranches vêm de Lisboa a conta-gotas e, ridículo dos ridículos, o 'desterradeiro' governo regional está proibido de mexer num cêntimo que seja.
Estes desgovernantes nada governam.
Lisboa já só paga viagens a clubes continentais?
Ainda aqui vamos.
O chefe vai embora qualquer dia. Não por sua vontade, mas pela lei da vida. Vai embora deixando muito pior a Madeira que sequestrou em 1978.

11 comentários:

Rocha disse...

Caro Calisto,

no caso das viagens, o governo da republica está a ser esperto, pois sabe que se não pagar aos clubes madeirenses, estes terão muitas dificuldades em competir a nivel nacional, desistindo na sua maioria ou totalidade, logo não há viagens para pagar a ninguém.

Luís Calisto disse...

Então, Caro Rocha, não são campeonatos nacionais, são campeonatos continentais!

Anónimo disse...

Se o Nacional e o União tivessem uma equipa B a competir a nivel regional levaria muito mais gente que a nivel nacional. Ter um regional forte com Nacional,Maritimo e União seria a alegria do povo.

Anónimo disse...

convém não esquecer que o maritimo subiu "de favor" aos campeonatos nacionais pois quando disputou a subida levou uma goleada do Tramagal....

Luís Calisto disse...

Antes que o Caro Comentador perca alguma aposta, leve como certeza o seguinte:
Nos jogos para a liguila de acesso à II Divisão, o Marítimo empatou cá com o Tramagal e perdeu em casa desse adversário por 2-1.
Nesse ano houve alargamento e o Marítimo entrou na II.

Quanto à goleada do Tramagal ao Marítimo, por acaso foi ao contrário: já na II divisão, a vingança não se fez por menos de... 10-0.
Repetimos, para não julgarem que nos estamos a enganar com esse resultado no Caldeirão:
10-0!
Dez-zero!

Ou seja, a goleada - e que goleada! - foi aplicada pelo Marítimo.

Mande sempre.

Anónimo disse...

mas confirma que subiu de favor...era isso mesmo....muito bem...

Anónimo disse...

de qualquer modo, subiu "de favor" aos campeonatos nacionais....

Rocha disse...

Caro Calisto,

uma pequena e singela lembrança:

Época 73/74 - 7ª Jornada - 2ª Divisão - Zona Sul

21 de Outubro de 1973
Estádio Prof. Marcelo Caetano (Barreiros)

Arb: António Espanhol (AF Leiria)
Feliciano Pereira (AF Funchal)
Jorge Pereira (AF Funchal)

CS MARITIMO: José António (Dias,69'); Belarmino, Emanuel, Hilário, Andrade; Tininho (Fernando,74'), Ângelo, Óscar, Orivaldo, Noémio e Joel.
Trn:Alberto Sachs

TRAMAGAL: Felix (José Grácio,78'); Xexiga, Vicente (Augusto Serafim,63'), Cunha, Casaca, Mata, Carlos Afonso, Marito, António Henriques, Anibal e Jarbas.
Trn:

Golos: Noémio (53'e 77'), Orivaldo (61',88' e 90'), Ângelo (62' e 79'), Joel (70' e 82') e um autogolo por parte de Vicente (4').

Também temos a ficha do jogo disputado a 22 de julho de 1973 para a linguilha de acesso a 2ª liga que terminou 1-1, golo do Joel pelo CS Maritimo e do Marco Aurélio (depois FCP) pelo Tramagal.

Luís Calisto disse...

Caros Comentadores
Quanto à entrada "de favor", bem, se o Marítimo não fosse nessa altura iria logo a seguir. É evidente que a liguilla correu de forma estranha. Veja-se que o Marítimo perdeu 'lá' com um adversário que poucos meses depois apanharia 10-0 (!) nos Barreiros.
Aliás, o Marítimo mostrou desde então que não era 'de favor' que estava nos nacionais. E ainda lá está no seu lugar, que é entre os maiores de Portugal.

Agradecemos ao Caro Comentador Rocha o documento a provar aquilo que dizemos sobre os jogos com o Tramagal (fazia então este vosso amigo o C.O.M. em Mafra).
Obrigado.

Rocha disse...

Caro Calisto,

não tem nada que agradecer.

O alargamento da 2ª liga deveu-se principalmente a mais uma daquelas borradas em que a FPF é usual, provocada na zona norte da 2ª divisão, e que o CS MARITIMO beneficiou.

Na época de estreia da 2ª divisão, o Calisto estava a cumprir serviço militar mas mesmo assim ainda fez alguns jogos, segundo os meus dados, 5 jogos para o campeonato, marcando um golo (Odivelas) e um jogo para a Taça de Portugal (Pescadores Caparica), marcou um dos penalties no desempate.

Luís Calisto disse...

Sim, o alargamento teve qualquer coisa a ver com o Chaves, salvo erro.
Quanto aos pormenores que me recorda desses tempos... Que arquivo, que memória, Caro Rocha!
Também recordo as peripécias daquela época como se fossem de ontem.
Enquanto estive em Mafra, ia encontrar-me com os meus colegas quando o Marítimo jogava no Continente. O grande Ângelo, eterno n.º 8 do Glorioso, ainda hoje me recorda que era ele quem levava para Lisboa a minha bolsa do equipamento...
Lembro-me desse jogo em Odivelas, goleámos.
E da Costa da Caparica: depois de quatro horas sem golos (cá e lá), desempate a penaltis e a rifa do último a caber-me...

Depois de Mafra, fui para Tavira e não pude continuar a jogar, por causa das distâncias.
Mas na época seguinte, já cá estava na Madeira este seu amigo a fazer tropa no '19' e QG e a vestir a camisola verde-encarnada.
Ainda bem, Caro Rocha, que me fez recordar velhos tempos.
LC