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domingo, 25 de agosto de 2013

FELIZ ANIVERSÁRIO A DUÍLIO LOMELINO






   Duílio 'Anão',  'mergulhador voador', faz   hoje 88 anos




CENTENÁRIO DO PORTO DO FUNCHAL:
QUE TEM ISSO PARA FESTEJAR?



Terça feira, 13 do corrente, perguntámos ao nosso Amigo Duílio Lomelino, manhã cedo no 'Vera Cruz': 
- Então, sr. Duílio, vai logo à tarde às festas do porto do Funchal?
- Mas o que é que eu tenho a festejar desse porto?
- Está marcada uma parada de navios para comemorar o...
- Ah senhor, acho que não tenho nada a ver com isso.
- Ouvi dizer há dias que lhe iam dar uma medalha...
- Medalha? Passei a vida levando pancada de todos eles e agora...
O nome Duílio Lomelino pode dizer pouco ou nada à maioria dos Leitores, mas, se dissermos que falamos do 'Anão da Mergulhança', o caso fica diferente, com certeza. Isso: Duílio é o conhecido fenómeno que em rapazito mergulhava do alto dos vapores para recolher as moedas lançadas ao mar pelos turistas apinhados no convés.


Não percebemos se comemoraram os séculos em que o Funchal secou à espera que Lisboa usasse algum dinheiro da Madeira para proteger os navios com uma simples muralha.
Ou se festejaram a miséria de uma classe marítima cuja memória usam hoje para os seus brilharetes. (Foto João Pestana)

Ou as tragédias como a de Dezembro de 1926, quando, por falta do molhe que a capital amolava, pereceram Humberto Passos Freitas e a tripulação do Phyzalia.

Ou ainda a perseguição da sociedade finória e seus cães de fila aos 'garotos do calhau' - bomboteiros e pequenos da mergulhança - que sofriam a dureza do mar para sustentar as suas famílias.

Conhecemos o sentimento do sr. Duílio a respeito dos dramas e dos mitos do passado que pairam como fantasmas ali naquele porto.
Hoje, domingo, a velha vedeta da mergulhança completa 88 anos de vida. E ainda ontem, sábado, durante a boleia para o lar do Vale Formoso, voltava a dizer-nos que não tem raiva dos seus tempos de infância, mas que não esquece a fome que o levou a fugir de navio algumas vezes. Não esquece a perseguição dos cabos do mar a quem fazia vida na baía. Nem os castigos da autoridade só porque os pequenos não tinham com que comprar a 'flanela' obrigatória para exercer a mergulhança. Nem esquece os ares de afectação e enfado que notava na classe social funchalense que se pavoneava para oeste da Ribeira de João Gomes, quando por lá aparecia um 'garoto do calhau'. 

Agora que as autoridade actuais quiseram fazer festa, que conveniente mistificar aqueles pequenos que faziam as delícias dos visitantes a mergulhar no Atlântico para emergir depois exibindo triunfalmente as moedas! Que bom mostrar em entrevistas e exposições os sobreviventes do bomboto, outra classe discriminada pelos senhores engravatados do centro do Funchal, que davam força aos lambe-botas da Capitania para reprimirem essa gente incómoda, remetendo-os mais para baixo, para o calhau.


Tornou-se chique os importantes colarem-se à Zona Velha, hoje. A palavra 'calhau' que antigamente, por si só, proibia um pequeno da Rua de Santa Maria de se aproximar a menos de 1 km de uma menina cidadã, integra hoje num lugar de realce o vocabulário da cultura Madeira Nova, herdeira da pseudo-intelectualidade dos tempos do fascismo insular.

Alguns historiadores põem-se em 'bicos de pés' para exibirem conhecimentos sobre a velha ralé, sobre futebolistas patas rapadas, sobre bomboteiros famosos e pequenos da mergulhança.
- Conhecem aquela fotografia - derramam sabedoria estudiosos do mofo - em que um homem em pé, na canoa, segura um miúdo de braço estendido para a amurada de um navio? Pois esse miúdo é o célebre 'Anão', um miúdo que nos seus tempos...


Ao contrário do que dizem os intelectuais sabichões da praça, este pequeno não é o 'Anão'. É o próprio a explicar quem é o pequeno. E o que segura no pequeno é Guilherme, 'o Ratado'. E o que está aos remos é o 'Meias Solas'. E o que está na canoa seguinte parece o 'Cunico'.

- Sr. Duílio, veja esta fotografia outra vez - mostramos a referida imagem, à mesa do café - Quem é este pequeno?
- Já lhe disse uma vez. É o 'Venena'. 
- Mas disseram na televisão que é o sr. Duílio.
- 'Venena'! Eduardo Abreu 'Venena', irmão do Checa e do Abróteas.


'Sopa de canelo'

Há mais de uma fotografia do género. Em nenhuma apanharam 'Anão'. Por acaso. Porque ele andava sempre debaixo dos vapores pronto para a mergulhança. De noite ou de dia, assim que chegava navio, lá estava ele na canoa alugada pelo Vicente Marão (o único marinheiro que escapou com vida no desastre do Phyzalia), com o tio Gaspar aos remos, para disputar com outros pequenos mergulhadores, em renhidas corridas subaquáticas, as moedas inglesas atiradas de cima, que depois eram 'trocadas' no câmbio do Largo do Pelourinho. 
- Muitas vezes, o último a se jogar ao mar era o que apanhava a moeda - conta 'Anão', sorrindo - Com a espuma da zaragata que faziam dentro de água, os outros deixavam de enxergar a modo.
Quando as coisas corriam bem, ou seja, se o tio Gaspar, tirado o dinheiro para o dono da canoa, pudesse atribuir coisa que se visse ao pequeno, mais probabilidades tinha 'Anão' de não apanhar 'sopa de canelo' quando chegasse a casa.
- Meu pai era tramado - ainda se arrepia hoje.
Caldo entornado era quando o calção de ganga já não dava mais e havia que arranjar dinheiro para outro. Porque, entretanto, o rapazito não podia ir ao mar. E claro, deixar 'fugir' as moedas do Vapor do Cabo ou do 'Vénus' dava direito a mais 'sopa de canelo', não interessava se o pequeno tinha culpa ou não. Sem 'flanela', podia o rapaz arriscar, mas lá vinha o cabo do mar meter ordem na praça:
- Toca a varar essa m... acolá em São Lázaro! - dizia o 'Alemão' de dentro da lancha da Capitania, na sua farda branca, boné e óculos de sol.
O aterrorizado pessoal da canoa varava, ajeitava os remos às costas e seguia o 'Alemão' até à Capitania. Eram todos castigados, porque a embarcação trabalhava contra a lei: o pequeno estava sem 'flanela'. Aliás, também a licença da canoa não parecia actualizada... O número de matrícula para a mergulhança não condizia com o da canoa... e por aí fora. Tudo ilegalidades gravíssimas, a pedir a pena de morte ou, no mínimo, o degredo africano para uns desgraçados sem direito a instrução que apenas queriam trabalhar pela subsistência da família.
Já crescidote, quantas vezes 'Anão' e os companheiros da sua arte, como Jordão 'Zarolho', 'Venena', Luís 'o Mole', 'Manilhinho', 'o Pintelho', 'Paiol' (irmão de 'Anão') e tantos outros foram à Cadeia de São Lázaro - e mais tarde aos Viveiros - passar 2 ou 3 dias!

À direita, no 1.º andar, morava 'Anão com a família. Por baixo, ficava o Abel, marinheiro da Capitania. 

De nada servia ter jeito para a função. Porque tinha muito. 'Anão' aprendeu a nadar sem dar por isso. Seu tio Gaspar, médio do Nacional, jogava-o ao mar tinha ele 5 ou 6 anos. Muita água salgada bebeu. O tio ensinou-o a mergulhar de cima das baixas do Almirante Reis. Um dia, lá estava ele a mergulhar do alto do Vapor do Cabo, a passar entre o formigueiro de canoas da mergulhança e do bomboto para voltar à tona exibindo a saborosa moeda de 2 xelins.


Ídolo da mergulhança

Uma vedeta na sua arte. Em dias de levadia, cortava a respiração aos banhistas da Barreirinha, atirando-se da Fortaleza de São Tiago para uma altura ínfima de água a fugir rapidamente entre as baixas. 

Com jeito para o futebol, 'Anão' fez parte dos infantis do Marítimo em 1940, com direito a dobrada com arroz, que era tempo da Guerra. É o segundo no primeiro plano, da direita para a esquerda. Alguém identifica o segundo da esquerda para a direita, de pé? Claro, Chino. Descubram onde estão Raul Tremura, 'Cabecinha', Jordão 'Zarolho', 'Venena', 'Joanito' (avô do Emanuel, da rádio), 'Chalupa', Ivo 'Buraco', Mário Paixão, Luís 'o Arraial', 'Impolha' e 'Jipe'.


Os cabos e marinheiros, operacionais ao serviço das autoridades portuárias, não queriam saber de vedetismo. Não havia perdão para os 'abusos'. A família à fome, e os pequenos perseguidos quando queriam levar qualquer coisa para casa! 'Anão' sempre comia fora, porque integrava os infantis do Marítimo e Alexandre Rodrigues arranjava umas panelas de dobrada com arroz para deliciar a pequenada. Em 1940, 'Anão' alinhava ao lado de outros pequenos habilidosos, entre os 9 e os 14 anos, como um tal 'Chino', Raul Tremura, Joanito, 'o Camacheiro' e outros artistas da bola nascidos e criados na Zona Velha.
Porém, o cinismo da vida acicatava irresistivelmente a rebeldia do pequeno. Raios! Dormir no chão da corredora com os 7 ou 8 irmãos, encontrar a mesa vazia na hora de comer, aturar as pancadas com racha de lenha que o Abel da Capitania, casado com a Piedade, tia do Ernesto 'Charamba', dá para o andar de cima quando toma uns copos...
Depois, tremer das canelas só de ver à distância o arrogante do 'Alemão', de cabelo amarelo, e daí a alcunha...


O 'Alemão' prendeu o próprio pai!


- Esse alemão era assim tão reles?
- Então se ele prendeu o próprio pai é que era bom? Ele morava no meio da gente, na Zona Velha, mas queria agradar aos superiores dele, para subir na vida, e a gente é que se pagava. O gajo era habilidoso a fazer cabos de arame, alças... e entrou para a Capitania para fazer disso. Agarrou a oportunidade e chegou a cabo do mar. Depois, armava-se com a gente. E a gente o que é que podia fazer? Ele é que mandava no calhau todo. Ninguém entendia com ele quando ele aparecia, ele é que pegava sempre, por tudo e por nada.
Com a rebeldia crescendo, Duílio não poderia chegar longe no Marítimo, onde imperava uma férrea disciplina imposta pelos irmãos Alexandre e Adelino Rodrigues.
- O vime nas pernas zunia quando a gente se falava mal, mas eu...
Um ano de suspensão castigou a sua irreverência perante um director, dentro do clube. Mas a Direcção, passado algum tempo, resolver levantar o castigo. 'Anão' viu afixado na parede o ofício com esse levantamento da suspensão, arrancou-o e travou-se de razões com quem estava à mão. Agora, sim, um ano efectivo de suspensão.

Futebolista fracassado e caixeiro-viajante clandestino

Ainda assim, realizou 64 jogos com a camisola do Marítimo, entre os Infantis, a Segunda Categoria e a Reserva. A coroa de glória foi a convocatória para um desafio da equipa de honra dos verde-rubros. E logo num particular contra o Sporting de Braga, no Liceu. Jogou ao lado de Raul, Chino e mais companhia de astros.
Parecem poucos desafios no currículo para quem começou a jogar em miúdo. Acontece que 'Anão', às tantas, era considerado um caixeiro-viajante, com tempos e tempos fora da Madeira.
- Olha, o caixeiro-viajante voltou... - gozavam com ele no Almirante Reis, depois de uns dias no mar e outros na cadeia.
Diachos, mas como...?

- Gil - diz Duílio para o irmão - o 'Serpa Pinto' está aí, vou fugido para o Brasil.
- Não penses nisso! Se tentas...
Dentro em pouco, sobem ambos por um cabo, da canoa para bordo do navio. E lá vão eles.
Essa é uma das muitas 'cacholadas' (viagens clandestinas) a que se aventura 'Anão'. A fome dói, por isso, é embarcar. Mesmo que seja apanhado e devolvido à sua terra, debaixo de prisão, pelo menos tem que comer durante as semanas em que ficar a bordo.
Desta vez, como noutras, a cachola é abortada pela tripulação do 'Serpa Pinto'. Toca a voltar para o inferno. 


Assim que cheirava a prosperidade no porto do Funchal, Lisboa inventava um imposto.



Tempos ingratos. Era passar os dias na Madeira a pensar na forma de partir fosse para onde fosse, desde que lá houvesse a comida que faltava na ilha. Umas vezes, a fuga terminava bem. Foi assim que 'Anão' passou tempos em África e mais tarde conseguiu emigrar para a Venezuela, onde passou 20 anos, até regressar para uma vida mais tranquila na Madeira.
Já chegou aos 88 anos e vai bem de saúde. Agora, festas, abraços e medalhas, depois do que a vida lhe fez neste porto, não corre para isso.


Comemorar sem saber o quê



Aliás, perguntamos nós agora, que esteve esta gente a comemorar a semana passada? As obras que em tempos fizeram a Pontinha? Mas o que é que a história deste porto mostra merecedor de festejos? 

Só se os especialistas da Madeira Nova entendem dever cantar hosanas à secular demora de Lisboa para dar resposta às súplicas pela porcaria de um molhe. Não era pedir muito: só se pedia que o governo alfacinha deixasse cá uma pequena parte das receitas que vinha cá rapinar todos os anos, a fim de que se pudesse arrancar com as obras de um porto.
Qual resposta! Naquele século XIX, as relações exerciam-se em sentido único: dinheiro daqui para lá. Quando falavam de lá para cá era grosso, com ordens mais do que conhecidas: mais impostos para ajudar os cofres do Estado e os superiores interesses da Nação. 
Lá se iam receitas do porto, aduaneiras, de importações, exportações, comércio e o c...!
Nos inícios do século XX, a Madeira mandava mil contos anuais, limpinhos, para os de lá espatifarem. E não admitiam que ficássemos com uma pequena fracção para resolver problemas locais.
Uma freguesia das Costas de Baixo reivindicava que o 'Gavião' fizesse escala uma ou duas vezes por semana, deitando poita lá nas baixas para servir passageiros e escoar algum produto agrícola. Lisboa autorizava, para ajudar o povo... mediante o pagamento de mais um imposto. Ou seja: o 'vilão' pagava aos bem falantes lisboetas para que a piroga deixasse embarcar ou desembarcar pessoal em cima de uma rocha. Era fartar sem investir 10 reis. Receber sem dar um chavelho.
Foi assim que só em 1885 começaram a construir uma muralha acostável entre o Ilhéu de São José, onde actualmente o prof. Renato diz ter instalado o seu principado, e o Ilhéu propriamente dito, aquele onde há um túnel.

Mas... e quando não havia pedido nenhum da Madeira que a capital aproveitasse para sacar mais taxas? Pois a canalha política lisboeta inventava nem que fosse um imposto de farolagem. Não é humor. Os madeirenses andaram numa lufa-lufa em 1914 para convencer aqueles cavalheiros a suspender a ideia de um imposto de farolagem, que seria aplicado sobre a arqueação dos paquetes que traziam turismo!
Importantes companhias escalavam a Madeira, desde sempre, porque as taxas eram acessíveis. Mas os governos que se instalavam no Terreiro do Paço queriam mostrar serviço aos eleitores e toca a explorar a mina funchalense. Dinheiro rápido para o governo utilizar enquanto não caía da cadeira - que importava se os transatlânticos depois evitariam a Madeira deixando parada uma economia assente na obra-de-vimes, nos bordados, nos carros-de-bois, automóveis, hotéis, bares, cafés, restaurantes, casas de vinhos! 

Depois do ouro do Brasil e do tráfico de escravos, os vilões da Madeira


Sem ouro para surripiar no Brasil, já distante das especiarias da Índia, extintos os lucros com o tráfico de escravos, havia que deitar mão aos parcos haveres dos 'indígenas' insulares. 
Que papel desempenhavam então os deputados que a Madeira punha em Lisboa supostamente para defender os interesses regionais? Vamos exemplificar: os candidatos do Partido Regenerador, na oposição, pediam votos dizendo que a mudança de governo finalmente traria os melhoramentos pelos quais as ilhas se batiam havia muito. O Partido Regenerador ganhava as eleições. Pouco depois, os candidatos eleitos mudavam o discurso: que o Partido Progressista deixara as finanças nacionais de rastos, que não se podia fazer num dia o que os outros não haviam feito em tantos anos, que o governo estava atento à Madeira, mas que...
E com os progressistas passava-se precisamente a mesma coisa.
Alguém conhece actualmente alguma situação parecida àquela?

Só em 1885 avançaram para construir esta muralhazinha.

E este molhe já a  meados do século XX.




Primeiro, Leixões. Depois...


Aquele pequeno molhe entre os dois ilhéus obviamente não chegava para evitar que os Invernos de mar bravio atirassem barcos e tripulações contra os rochedos de Santa Catarina, destruindo e matando.
- Senhores de Lisboa, está a morrer gente e o povo definha na miséria! - bradavam os madeirenses. 
Mas Lisboa explicava-se: primeiro vamos avançar com o resto das obras no porto de Leixões, depois logo se vê.
Como se a carência de obras portuárias fosse pouca coisa, a capital do reino aplicava taxas às operações navais cá no Funchal com violência crescente, afugentando ainda mais os navios para Canárias. Aquele arquipélago beneficiara da autorização de Madrid para porto franco e de obras de vulto nos seus principais portos. À medida que Lisboa ia agravando as taxas no Funchal, o sucesso canariano permitia baixar preços das operações portuárias, atraindo cada vez mais navios.
A correlação de forças alterou-se de tal maneira que durante o ano de 1911 o Funchal se ficou por menos de 1400 escalas de vapores enquanto Las Palmas subia para mais de 7 mil - fora os outros portos canários.

A esta distância, vemos aquela fase da nossa baía como a que os navegadores das descobertas encontraram no século XV. Em fins do séc. XIX e princípios do XX, havia cargueiros a passar ao largo porque o mau tempo não permitia que manobrassem no Funchal. Muitos passageiros que se destinavam a esta ilha tinham de prosseguir viagem para outros destinos por impossibilidade da escala prevista para cá.

A Junta dos Portos!

- O que estamos a comemorar é a instalação da Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal, em 1913, daí o centenário - dirão os crânios da actualidade.
Celebrar a Junta das Obras do Porto? Nessa altura foi também criada uma Junta do Porto de Leixões, que continuou a levar a 'parte de leão' dos impostos destinados ao mar, incluindo os pagos pela Madeira!
Pior: passaram-se os anos e da Junta do Porto do Funchal nada de concreto saía. Concursos abertos, houve, sim, mas com umas condições propositadamente impostas por Lisboa que os pobres desses concursos ficavam desertos até depois do dia limite. Ninguém pegava naquilo, porque os dinheiros orçamentados para as obras quase não davam para uma empresa montar a maquinaria, quanto mais trabalhar no terreno.


Fumasil: cada qual conta a história como quer

Em 1924, 11 anos depois de criada, a Junta recebeu autorização para contratar a construção do porto e dar a sua concessão por 50 anos. 
É quando aparece a Fumasil, companhia de ingleses fadada para grandes peripécias judiciais. Eis um tema que os pensadores do actual regime da crápula utilizam para dar o jeito às teorias do seu grande chefe. Desde que seja para dizer que os ingleses prejudicaram... 
Ou não perceberam ou não lhes convém perceber que o âmago da questão (o projecto não foi em frente) estava numa fratricida guerra entre lóbis de madeirenses, secretamente alimentada desde a capital.
Já com Leixões a funcionar e a beneficiar de obras atrás de obras, com o argumento da concorrência dos portos espanhóis como Vigo (de Canárias não se falava na Península), lá se concluiu o prolongamento de 317 metros no molhe da Pontinha. Em 1939!
E o resto da muralha? Ih!!! Essa última parte, que vemos terminar ali à frente do cais, e apesar de reivindicada há um século, foi concluída já no nosso tempo. Calcule-se.

Estranha-se que esta fúnebre história seja motivo para esses festejos todos, com paradas navais elogiadas pela secretária do Turismo e beberetes para brindar vá lá saber-se o quê. Porque, até se chegar ao porto de hoje, muita gente morreu neste mar, sobretudo em dias de mar SW. Quem não sabe da tragédia do Phyzalia, em 15 de Dezembro de 1926? O temporal de sul pastou contra o calhau e baixas da cidade imensos barcos da nossa praça, incluindo o iate de Humberto Passos Freitas, cujos ocupantes morreram todos, Humberto e tudo, só escapando para contar a história o marinheiro Marão - o tal que depois alugava canoa ao Gaspar, tio de Anão, para irem à mergulhança. 

Vingança: duas balas 'acagaçaram' o valente 'Alemão'

Muito sofriam os marítimos naquela época. Ainda por cima, perseguidos pela classe cujos sucessores usam hoje bomboto e mergulhança para desígnios imbecis. 
Aquele Abel da Capitania, o 'Alemão'...
Já militar, 'Anão' foi interpelado um dia pelo 'Alemão', quando ia para um trabalho de canoa. Foi então que o cabo ouviu a explosão dos medos reprimidos durante anos:
- Tenho aqui duas balas - berrou o rapaz - Uma é para si, de certeza. A outra talvez seja para mim.
'Alemão', aliás sr. Silva, empalideceu, vacilou, emudeceu... até conseguir dizer que se ia queixar aos superiores.
- Podes ir-te queixar ao c...! - desafiou 'Anão'.
Remédio santo. Daí para a frente, as coisas acalmaram muito para quem trabalhava no mar.

Não nos sai da ideia: comemorar o centenário daquilo, do porto! Por acaso, um aparato de autoridades e câmaras de TV ali na gare marítima e na parada náutica num dia em que nem um único paquete escalou o Funchal!
Sintomático.
Estranha comemoração de mar salgado numa terra de onde não se pode ir a parte nenhuma de barco - nem sequer a Lisboa!


Sr. Duílio toma café todos os dias no 'Vera Cruz', com o seu amigo Nunes, outro antigo marítimo.


Cerca das 9 da manhã, está pronto para apanhar a camioneta.


O '19' deixa-o quase à porta do Lar do Vale Formoso.
É ali que, numa tranquilidade que não tinha no n.º 10 do Corpo Santo, mas também sem as aventuras de outrora, passará mais um dia, mais uma noite.

'Anão' faz hoje, 25 de Agosto, 88 anos. A esta hora deve estar a tomar o seu cafezinho e a fumar um 'Estrela' no Lar do Vale Formoso, onde se sente muito bem - porque ao domingo não amanhece na baixa para ver os amigos no 'Apolo', no 'Vera Cruz', e também para arranjar, como costuma fazer nos dias de semana, uns exemplares gratuitos do JM que oferece às doutoras do lar, porque todas o tratam bem. 
Já ontem, sábado, não precisou de apanhar o '19', na paragem do 'Vermelhinho', para voltar a casa.
Pelo caminho, perguntamos:
- Sr. Duílio, amanhã faz 88 anos... Vai haver festa, como quando era miúdo?
- Festa de anos quando era miúdo? Talvez uma 'sopa de canelo'...
Pela Pena acima, vai sorrindo melancolicamente, desfrutando através do pára-brisas, com a sua vista de lince, o verdinho das tipuanas nesta época. Poderia acontecer apertar-se-lhe o coração à medida que se distancia do calhau e das suas pungentes memórias. E não temos a certeza de que não é isso que acontece. 


2 comentários:

Anónimo disse...

Não conhecia esta história nem a pessoa em questão, mas gostei de ficar a saber graças ao seu texto, que no fundo é uma homenagem merecida ao, "Anão"

insane disse...

Não para desprover o mérito dos outros textos do blog, mas gostei particularmente de conhecer uma pessoa e um pouco mais de uma epoca anterior da minha terra.

:)