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sexta-feira, 25 de abril de 2014


O comandante Rui São Marcos, então imediato do cargueiro ‘Arraiolos’, zarpou da Doca do Espanhol, no Tejo, às 6 da manhã de 25 de Abril de 1974. Sem saber das movimentações militares ali perto, no Terreiro do Paço, fez um disparo na sua máquina fotográfica e seguiu viagem, com uma estranha carga a bordo.




ÚLTIMA FOTO DA 'PONTE SALAZAR' 
E PRIMEIRA DA 'PONTE 25 DE ABRIL' 

Em 24 de Abril de 1974, finalmente se conseguia carregar o cacilheiro a bordo do ‘Arraiolos’, com destino a Bissau. Um cacilheiro com o nome curioso de ‘O Amanhã’.
Difícil azáfama no N/M ‘Arraiolos’, na Doca do Espanhol, em pleno Tejo, com a peação daquela estranha carga. Trabalho moroso, já que eram largas toneladas que tinham de navegar em segurança e acomodadas de maneira invulgar: ‘O Amanhã’, içado para bordo, tinha de viajar atravessado no convés do ‘Arraiolos’, com a proa suspensa de um lado e a popa no outro.
Tomada que foi a decisão da saída para as 6 horas da madrugada de 25 de Abril, quem estava de serviço ficou pelo navio e o resto da tripulação foi a terra jantar com a família.
Por volta da meia-noite, a tripulação começou a regressar a bordo. Conforme previsto, o navio largou às 6 horas da Doca do Espanhol, com destino a Cabo Verde e Guiné-Bissau, para uma viagem calculada em cerca de 3 semanas, ida e volta.
A navegar, já com o Sol a levantar-se pela popa do navio, olhei para a ‘Ponte Salazar’ e achei curiosa a imagem que tinha pela frente. Fui ao camarote buscar a retratadeira e disparei. Mal sabia que nesses momentos estavam a ser dados passos que levariam à mudança de nome da ponte.
Depois da noite inteira acordado, a trabalhar, e porque só entrava de serviço às 4 da tarde, avisei um marinheiro para me acordar a essa hora. Eu não precisava de muito tempo de preparação para entrar de quarto.
Cerca das 3 horas, fui acordado com a novidade: tinha rebentado uma revolução em Lisboa.
Incrédulo, respondi, grunhindo: “Pois, deve ser mesmo isso!!!”
Mas, quando cheguei à ponte do navio, lá estavam o comandante, o radiotelegrafista e o marinheiro de serviço a ouvir as marchas militares que passavam na Emissora Nacional. Afinal, algo de novo acontecia em Portugal.
Os dias foram correndo com a normalidade da vida a bordo. Cabo Verde. Guiné. A descarga de ‘O Amanhã’, para navegar nos rios da então província portuguesa. O recolhimento a bordo dos elementos mais ‘urgentes’ de uma nova classe de portugueses que nascia, a dos ‘retornados’. Uma saltada inopinada mais a sul, Angola, para embarcar carga de outros dos primeiros ‘retornados’.
Passadas não as 3 semanas previstas para a duração da viagem, mas sim 3 meses, lá estávamos de novo a passar no ‘Arraiolos’ por baixo de uma ponte que entretanto mudara de nome: Ponte 25 de Abril.
‘O Amanhã’ velho ficara em África. ‘O Amanhã’ novo nascia em Portugal.
Rui São Marcos

Doca do Espanhol e a Ponte (Foto CARLOS PIRES, 'Olhares')


Nota – Às 6 da manhã de 25 de Abril de 1974, momento em que foi obtida aquela que provavelmente é a última fotografia da ‘Ponte Salazar’ e a primeira da mesma Ponte já com a democracia em marcha, tropas da Escola Prática de Cavalaria de Santarém, comandadas por Salgueiro Maia, ocupavam o Terreiro do Paço, ali tão perto.

Em 1974, o velho cargueiro da história pertencia à Companhia Nacional de Navegação (Luís Miguel Correia).

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