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segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Reflexão



As falácias da Igreja Universal 
do Reino do Empreendedorismo

  

Por Vitorino Seixas


Terminou no passado dia 10 de Novembro a concentração anual da Igreja Universal do Reino do Empreendedorismo¹ (IURE), que teve lugar no Templo Meo Arena, em Lisboa. Durante 3 dias, 53.065 fiéis de 166 países participaram num apelativo programa, com o título “WebSummit 2016”, o qual contou com a presença do bispo Paddy Cosgrave e de destacados pastores da IURE. 
Como não podia deixar de ser, a Madeira esteve presente através de Eduardo Jesus, que criou recentemente a Startup Madeira, o templo da IURE na Região. Nessa altura, em Agosto deste ano, Eduardo Jesus definiu o caminho: “Queremos que a Startup Madeira, …, com um diálogo estreito ao nível nacional e internacional, apoie mais empresas, incentive a inovação e reforce o contacto com empreendedores na Região e em todo o mundo,”². Três meses depois, na WebSummit, perante cerca de 50 empreendedores madeirenses, Eduardo Jesus foi categórico ao afirmar que há «a convicção generalizada de que o caminho que está a ser seguido, pelo Governo Regional, neste campo, é o caminho certo”³.
Mas, será que estamos no caminho certo? Provavelmente não, pois o caminho definido pelo governo regional assenta em duas falácias, ou seja, raciocínios errados com aparência de verdadeiros.

A primeira falácia tem a ver com a crença de que todos podemos ser empreendedores. Com base nesta crença, têm surgido como cogumelos projetos para promover o empreendedorismo, nomeadamente entre os jovens estudantes dos diferentes ciclos de ensino, havendo mesmo projetos, como o “Empreende 6-12 anos”, para as crianças que frequentam o 1º ciclo do ensino básico do concelho de Câmara de Lobos.

No entanto, basta ouvir “Empreendedores” como Reid Hoffman, cofundador do Linkedin e um dos mais bem-sucedidos criadores de startup tecnológicas como o PayPal e um dos maiores investidores de Silicon Valley, para constatar que essa crença é uma falácia: “Nascemos empreendedores. Isso não significa que você tenha nascido para criar uma empresa. Na verdade, a maior parte das pessoas não devia fundar empresas. As baixas probabilidades de êxito, a par das constantes agressões emocionais, fazem com que a criação de um negócio se adeque apenas a alguns indivíduos”⁴.

A segunda falácia diz respeito à crença de que as incubadoras, como a Startup Madeira, são a solução ideal para promover o empreendedorismo e reduzir a taxa de mortalidade das novas empresas. Contudo, a utilização do conceito de incubadora para “proteger” as novas empresas na sua adaptação ao mercado é uma falácia. No caso dos recém-nascidos, as incubadoras são utilizadas apenas por aqueles que necessitam de condições ambientais protegidas, devido a dificuldades de adaptação ao ambiente externo. Mas, mesmo nestes casos muito reduzidos, a permanência na incubadora é pelo tempo estritamente necessário, pois os bebés devem crescer em ambiente não protegido de modo a desenvolver o seu sistema imunitário. O ideal é que os bebés nasçam de parto natural, com dor, sem recurso a incubadora. Pelo contrário, na incubadora Startup Madeira as novas empresas nascem de cesariana, sem dor, e podem ficar longos períodos no conforto do “ambiente protegido” da incubadora. 
Será que este caminho vai permitir o desenvolvimento do “sistema imunitário” das novas empresas regionais, tornando-as capazes de sobreviver em mercados cada vez mais voláteis e incertos?
“Tal como acontece com os pais neuróticos e superprotetores, aqueles que nos procuram ajudar são os que mais nos prejudicam”, Nassim Taleb
¹ “Igreja Universal do Reino do Empreendedorismo”, designação da autoria do humorista Ricardo Araújo Pereira.
² “Nasceu a Startup Madeira”, Diário de Notícias da Madeira, 7 de Agosto de 2016.
³ “Madeira elogiada na Websummit 2016”, Diário de Notícias da Madeira, 9 de Novembro de 2016.
⁴ “Start-Up, Um Novo Futuro”, Reid Hoffman e Ben Casnocha, Editora Clube do Autor

8 comentários:

Raghnar disse...

Isto sem sequer referir que para organizar uma cimeira, os "empreendedores" precisaram de 200 milhões de euros de financiamento público e ainda recorreram ao trabalho gratuito de 2500 voluntários.

Se é este o modelo que pretendemos para o futuro do trabalho, nuvens bem negras se assomam no horizonte. Depois, a culpa será dos Trumps deste mundo, que são um sintoma da doença, mas não a doença em si...

Anónimo disse...

Lembro que 97 % das empresas nascidas do empreendedorismo vão à falência até ao quinto ano, deixando um rasto de problemas, alguns graves, aos empreendedores. São dividas a bancos, a familiares, etc.
No início tudo são rosas, tudo são facilidades.
Que todos os que querem começar uma empresa sua tenham cuidado. Estudem bem o assunto, façam um business-plan do negócio, analisem o risco, e, acima de tudo não vão atrás das euforias dos governantes e afins.
Não se esqueçam que os politicos e seus colaboradores não arriscam nada do bolso deles. Depois, se existirem problemas, eles passam ao largo.

Anónimo disse...


Parabéns . Grande artigo

Mateus José

Anónimo disse...

2500 que tiveram full access ao evento... convinha perceber esse lado da questão ... ;)

Eu, O Santo disse...

O empreendorismo é uma ameaça aos direitos dos trabalhadores, pois o "empreendedor" escraviza-se a si proprio e compete pelo mercado com as empresas "normais".
Parece-me que o empreendedor raramente cria riqueza para a população, competindo no mercado interno.
Airbnb, homeaway, uber, etc... estão a destruir os direitos dos trabalhadores ao redefinirem o trabalho.
A soluçao para este tipo de problemas é o rendimento minimo garantido para todos.

Raghnar disse...

Então se fossem remunerados deixavam de poder aceder ao evento? Eu a pensar que aqui também seria útil escolher os "melhores", remunerando-os condignamente.


Eu percebo esse lado da questão mas acho uma vergonha o estado financiar com centenas de milhões um evento que paga zero aos seus "colaboradores", na novilíngua das startups. E que dá milhões de euros de lucro aos seus organizadores...

Anónimo disse...

Com o sistema de ensino facilitista que temos como é que pode aparecer empreendedores que têm dificuldades em conjugar os verbos em português e fazerem contas mentalmente se nem sabem a taboada?
Primeiro era a moda da qualidade agora é a moda do empreendedorismo, idelogias que dão jeito no carreirismo dos seus promotores à custa de jovens iletrados e ingénuos.

Anónimo disse...

Finalmente alguém sem papas na língua no que a esta falácia do empreendedorismo diz respeito!