CRIME, DIGO EU

“Foi autorizado o acesso ao terraço que é comum. Os clientes do jantar vão ao terraço e veem o fogo“ ¹. Com esta simplicidade, Humberto Vasconcelos, o secretário da Agricultura e Pescas, justificou o facto do restaurante Golden Gate estar a “promover um jantar de final de ano com garantia de acesso dos clientes ao terraço que fica nas instalações daquela secretaria e que, normalmente, não é acessível ao restaurante no resto do ano” ¹.

Para que não restem dúvidas, Humberto Vasconcelos esclarece, ainda, que “sendo área comum, torna-se, assim, possível que o negócio do final do ano, relativo ao restaurante, inclua o acesso ao terraço como mais valia, valendo as mesmas regras observadas em blocos de apartamentos, onde os condóminos têm direito ao acesso aos terraços dos respetivos prédios” ¹.

Perante estes esclarecimentos, será que podemos confiar nas palavras de Humberto Vasconcelos? Provavelmente não, pois não sabemos se falou na qualidade de secretário regional ou na qualidade de administrador do condomínio do edifício Golden Gate.

Analisemos as duas situações tendo em consideração que, ao contrário do que afirma Humberto Vasconcelos, o edifício Golden Gate não possui acesso a nenhum terraço, mas sim a uma varanda que circunda as três fachadas do 5º piso. 

Se autorizou na qualidade de administrador do condomínio é porque considera que a varanda é uma parte comum do edifício Golden Gate. Nesta situação, tem de haver uma ata da assembleia de condóminos a autorizar a cedência da varanda ao restaurante Golden Gate. Na verdade, apesar de Humberto Vasconcelos garantir que se aplicam as mesmas regras dos blocos de apartamentos, tentando dar a ideia do rigoroso cumprimento da lei, tal não é verdade pois omite que a cedência de partes comuns a um condómino, só pode ser autorizada pela assembleia de condóminos, a título gratuito ou oneroso.

Se autorizou na qualidade de secretário regional é porque no título constitutivo da propriedade horizontal a varanda está destinada ao uso exclusivo da fração do 5º piso, onde funciona o seu Gabinete de secretário regional da agricultura e pescas e, nesse caso, o seu acesso está reservado apenas ao condómino proprietário dessa fração, o governo regional. Só assim se compreende que Humberto Vasconcelos afirme que foi autorizada a cedência gratuita da varanda do seu Gabinete ao restaurante Golden Gate, para que os seus clientes possam observar o fogo de artifício e beber umas taças de champanhe no “Reveillon 2017-2018”.

No entanto, neste caso, coloca-se a questão de saber se Humberto Vasconcelos tem poderes para autorizar a cedência da varanda do seu Gabinete. Se autorizou em nome do governo regional, tem de estar mandatado nesse sentido. De referir que a autorização de uso é um “ato administrativo unilateral e discricionário, pelo qual a Administração consente, a título precário, que um particular se utilize de bem público com exclusividade”.

Em síntese, mais uma trapalhada de Humberto Vasconcelos que confunde o cargo de secretário regional com administrador de condomínios. Contudo, se houve uma autorização de uso trata-se de um ato administrativo que deve ser anulado, sob pena de Humberto Vasconcelos poder ser acusado do crime de “peculato de uso” ², punível com a pena de prisão até um ano.

J. C. Silva

¹ https://funchalnoticias.net/2017/12/20/jantar-de-final-de-ano-do-golden-com-acesso-ao-terraco-para-ver-o-fogo-secretario-esclarece-que-e-area-comum/ 

²http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=109A0376&nid=109&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&nversao= (Artigo 376º do Código Penal)